O Som ao Redor

Por Marcello Riella Benites*

O nome já diz. Quase sem músicas, o filme "O Som ao Redor" (2012) é um belo objeto de análise para os sound studies, uma linha de pesquisas antropológica, sociológica e tecnológica (entre outras disciplinas) que aprofunda o conceito de "paisagem sonora", mais influente em nossa vida do que podemos imaginar.

Vale apena conferir essa influência no livro "A afinação do mundo: uma exploração pioneira pela história e pelo atual estado do mais negligenciado aspecto do nosso ambiente: a paisagem sonora" (Editora Unesp), de Raymond Murray Schaffer.

Na paisagem sonora de Um Som ao Redor, o barulho de uma máquina de lavar, os latidos de um cachorro e vozes de crianças são quase personagens. Mas apesar dos sons em evidência, a sensação de silêncio é perturbadora. Um filme sobre a normalidade da vida numa rua residencial de classe média alta no Recife. E sobre a tristeza com que o diretor, Kleber Mendonça Filho, o mesmo de Bacurau e Aquarius, vê essa vida.

O suspense cria um clima no qual parece sempre que algo vai acontecer a qualquer momento. E o desfecho que se apresenta acaba ficando em aberto. A história se dispersa por muitas micro-histórias que se perdem indefinidas antes do clímax.

Personagens típicos, ou não: um patriarca poderoso (sim, ainda existem); um protagonista apático de cerca de 30 anos (João, interpretado por Gustavo Jahn), que vive de alugar imóveis da família e é atencioso com a doméstica e com os filhos que ela leva pro trabalho; uma dona de casa jovem, solitária e estressada; e ainda subalternos: empregadas, flanelinhas, porteiros e os homens contratados para fazer a segurança particular da via.

Muito sutilmente, como em "Que horas ela volta?", de Anna Muylaert, estrelado por Regina Casé, encontramos, cada um de nós em nosso lugar social, a revelação do que já sabemos, mas ainda nos espanta: os relacionamentos herdados da casa grande e da senzala.

* Autor do livro "A origem da Mídia Ninja no discurso dos jornalistas", membro do Coletivo de Jornalistas de Macaé (RJ) e Região,  realiza a pesquisa "Enfrentamento da Crise da Profissão de Jornalista" no Programa de Pós-Graduação em Cognição e Linguagem da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro - Uenf.