Fátima: o apocalipse segundo Renato Russo
Um registro da habilidade com que o compositor da Legião Urbana manejava o discurso religioso com estratégias de ratificação e desconstrução*
O Coletivo de
Jornalistas de Macaé e Região e a Universidade Estadual do Norte Fluminense
Darcy Ribeiro (Uenf), em Campos dos Goytacazes (RJ), constituíram uma
"comunidade de pesquisa e prática" para enfrentar a crise profissional. A
equipe reuniu-se via Googlemeet, no último dia 10 de outubro, com oito pessoas,
e já havia tido um primeiro encontro em 5 de julho, com cerca de 20 participantes. "Após divulgarmos nosso relatório entre profissionais da imprensa, publicamos nas redes sociais, dado o interesse público pelo resgate do jornalismo, tão atacado pelo neotecnofascismo", afirma o coordenador da pesquisa, Marcello Riella Benites.
"Esses trabalhadores têm um ethos iluminista impactado há muito pela exploração do mercado e, mais recentemente, pelas novas tecnologias, de forma que seu papel vem sendo reduzido drasticamente", diz o professor Sérgio Arruda, do Programa de Pós-graduação em Cognição e Linguagem (PGCL). Pesquisador, doutor em Literatura e graduado em jornalismo, Sérgio é orientador de Marcello no doutorado do PGCL.
Pós-graduado em Assessoria de Imprensa, mestre em Cognição e Linguagem, Marcello é jornalista concursado da Câmara Municipal de Macaé. Autor do Projeto Enfrentamento da crise da profissão de jornalista em Macaé e Região (Enprojor), ele enfatiza que não se trata de uma "visão romântica" da profissão. "Um ethos iluminista seria a identidade desse profissional que, muitas vezes, acredita ser o seu ofício indispensável para a democracia", explica o pesquisador.
"Claro que é um ideal que precisa ser atualizado quanto às tecnologias e os modelos de negócios, a fim de termos uma profissão sustentável, mas o esclarecimento da população e a fiscalização das instituições são funções sempre atuais", defende.
Entre os presentes na reunião, estava Márcio Von Kriiger assessor de imprensa autônomo da área offshore no município: "Ao ler 'Minha razão de viver', de Samuel Wainer, descobri o que queria ser na vida", relata ele sobre Wainer (1910-1980), fundador do jornal A Última Hora, que deu grande contribuição para edificar a imprensa como força política.
Idealismo e empregabilidade
Esio Bellido, jornalista do setor de marketing da Faculdade Metropolitana São Carlos (Famesc), de Bom Jesus do Itabapoana (RJ), afirma que esse idealismo com frequência é contido pela necessidade de estar empregado. "Atualmente, sinto-me realizado, mas já sofri muito com isso".
E Tânia Garambini, também assessora de imprensa autônoma em Macaé, protesta: "O mercado está péssimo! E para sobreviver, temos que atuar em mais de um lugar ou para muitos clientes, mesmo assim, ganhando muito pouco. Já estou há três anos nessa situação".
Já a jornalista Christiane Milagres, professora do Curso de Comunicação da Faculdade Católica Salesiana Maria Auxiliadora (FSMA), na mesma cidade, relatou sua estratégia com os alunos. "Procuramos incentivar o espírito crítico, mas também oferecer ferramentas para que eles possam sustentar-se com a profissão". A FSMA, que teve o curso de Jornalismo extinto por falta de interessados, exemplifica a gravidade da situação, e só tem ainda poucos estudantes nessa habilitação, que estão terminando disciplinas finais e TCCs.
O fim da exigência do diploma para o exercício do ofício é uma das principais causas de fenômenos como da FSMA. "Foi um enorme retrocesso que levou à pré-história da nossa profissionalização", afirmou Mário Souza, presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado do Rio de Janeiro, com sede em Niterói. A determinação foi feita em 2009, pelo STF, e é vista como influência do patronato sobre os ministros, para enfraquecer a luta por melhores condições de renda e trabalho.
Duras críticas ao autoritarismo de Bolsonaro
Mário ainda criticou duramente os ataques do presidente Jair Bolsonaro à imprensa, e sobretudo às jornalistas. Ele havia participado também do encontro anterior, em 5 de julho, quando já havia frisado o autoritarismo do mandatário, que é a mais grave ameaça para o jornalismo brasileiro, e consequentemente, à nossa democracia. Outros assuntos abordados na primeira reunião foram: condições de trabalho, mudanças tecnológicas, necessidade de "reinvenção profissional" e idealismo em face da realidade, entre outros.
O idealizador do Enprojor, no entanto, é um entusiasta. "Não se trata de romantismo ou otimismo simplista. Realizo desde 2012 estudos acadêmicos no sentido de empoderar os colegas, diferenciando-os das empresas e dos patrões, que tantas vezes incorrem em falta de ética e difamação, como Esio bem enfatizou. E também tenho lutado com muitas e muitos membros no Coletivo de Jornalistas e no Sindicato, por melhores tempos, para resgatar o jornalismo".
E ele prossegue: "Temos muitas razões para vislumbrar um período de valorização dos Jornalistas, que costumo escrever assim, com maiúscula, em postagens nas minhas redes". Segundo ele, a ideia do projeto é realizar reuniões com colegas até constituírem forte vínculo de solidariedade profissional. "Em seguida, chamaremos para a conversa outros stakeholders da produção jornalística: o público consumidor da informação, principalmente, profissionais como fotógrafos e cinegrafistas, donos de veículos e publicitários, entre outros, a fim de planejarmos juntos saídas para a crise".
Análise do Discurso
Os depoimentos gravados dos participantes serão estudados pela abordagem chamada Análise do Discurso (AD), de origem francesa. "É como se colocássemos nossos discursos no divã, admitindo que não somos autores totais do que falamos, mas que com frequência são mais a nossa cultura e nossa ideologia que nos interpelam a falar o que dizemos", explica o pesquisador.
Marcello propõe ainda a metodologia da Pesquisa-ação, e inspirou-se nos estudos do Grupo Produção e Sustentabilidade em Jornalismo (GPS-Jor), da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). A sigla GPS é proposital. Simboliza uma orientação de rumo aos profissionais. O GPS-Jor reuniu jornalistas e outros parceiros da produção e consumo de conteúdo midiático, e realizou debates públicos e pesquisas qualitativas e quantitativas.
Articulou assim mais de 2 mil agentes sociais profissionais da área ou não, e produziu o relatório Jornalismo local a serviço dos públicos: como práticas de governança social podem oferecer respostas às crises do jornalismo, disponível gratuitamente em: https://dialeticas.com/wp-content/uploads/2022/03/Jornalismo-local-a-servico-dos-publicos-dnkhfu.pdf.
Outra vertente da investigação será o aprofundamento teórico. "Nosso objetivo é que cada integrante da comunidade de pesquisa e prática seja, se assim desejar, um agente social e um pesquisador, também da teoria. Então, não haverá um coordenador, mas uma comunidade de pesquisa e prática", diz ele. As referências terão, além de obras como as já citadas, outras em quatro temas: identidade, tecnologia, mercado e discurso.
"Compartilharemos com os colegas, por exemplo, as leituras de Tempestade perfeita: sete visões da crise do jornalismo profissional (editora História Real), com coautores como Cristina Tartaglia, fundadora da Agência Lupa e pioneira brasileira do fact checking, Merval Pereira e Pedro Bial". Trata-se de um texto com fortes marcas identitárias dos jornalistas.
Capitalismo de vigilância
Um livro indicado por Benites como "fundamental" para compreender o aspecto tecnológico da crise, não só da profissão de jornalista, mas de toda a sociedade atual, é A era do capitalismo de vigilância: a luta por um futuro humano na nova fronteira do poder (editora Intrínseca), da pesquisadora estadunidense Shoshana Zubof.
"Ela esmiuçou os meandros das gigantes da tecnologia, como Google e Apple, e denuncia uma exploração tecnológica sem precedentes em que as pessoas são meros produtos nas mãos de um monstro que não sabemos mais se é gerido por pessoas ou máquinas, uma verdadeira Matrix". O jornalista lembra ainda que esse livro foi uma das principais bases para o roteiro do famoso documentário da Netflix, O dilema das Redes.
Na reflexão sobre mercado, o pesquisador propõe a obra Criação de valor e o futuro das organizações jornalísticas, de Robert G. Picard (Media XXI). E por fim, no estudo sobre o discurso dos profissionais da imprensa, um dos itens da bibliografia é A origem da Mídia Ninja no discurso dos jornalistas, do próprio Marcello. "Os Ninjas são tema de estudo maravilhoso e um coletivo revolucionário. Entretanto, mais do que um relato sobre eles, produzimos uma análise do discurso dos jornalistas acerca das narrativas independentes, que tomaram as redes sociais e transformaram o jornalismo".
Projeto atrai interesse de instituições jornalísticas
Além do já citado Mário Souza, representando o sindicalismo estadual, a pesquisa despertou o interesse de outros líderes de entidades jornalísticas como o conselheiro da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Marcelo Auler. Outros foram o presidente e o diretor de cultura da Associação Campista de Imprensa (ACI), Wellington Cordeiro e Cassio Peixoto, respectivamente.
Participou ainda da reunião Ana Cristina Hermano, jornalista da Assessoria de Comunicação e Tecnologia da Informação da Prefeitura de Rio das Ostras (RJ), ajudando na parte técnica da conferencia. O Projeto Enfrentamento da Crise da Profissão de Jornalista em Macaé e Região (Enprojor) está previsto para ser concluído entre 2025 e 2026. O próximo encontro on-line será, no dia 10 de janeiro de 2023. "A ideia é fazermos trimestralmente, nas primeiras terças-feiras do mês. Desta vez, devido a imprevistos, fizemos numa segunda", conclui.
Um registro da habilidade com que o compositor da Legião Urbana manejava o discurso religioso com estratégias de ratificação e desconstrução*