Existe uma boa direita
Estou fazendo essa reflexão após ter publicado aqui no site o texto "Por que sou de esquerda". Sim, parece-me bem claro que existe uma boa direita. Eu vou enumerar as ideias e autores que me convencem disso, citando ora a vertente liberal, ora a conservadora. E, não custa lembrar, são muitas as características da (boa) direita que possibilitam um saudável diálogo com a nossa ampla esquerda.
Como o artigo ficou longo, divido em três postagens, e devo, por honestidade, dar um spoiler do que direi no final, na terceira parte. Apesar de entender que existe uma boa direita com a qual se pode dialogar na busca de um mundo melhor, é difícil vê-la no atual governo do país. Pelo menos é difícil vê-la plenamente contemplada em seus maiores valores.
Friso, então, a abertura a um diálogo respeitoso em busca do bem comum como minha maior motivação a considerar que determinada direita pode ser boa. Vale pontuar que, nos meus conceitos de direita e esquerda, liberalismo é direita. E só pode ser considerado como esquerda se for comparado ao conservadorismo, embora em ciência política seja válido afirmar que liberalismo é esquerda e conservadorismo é direita.
Mão invisível, responsabilidade perante a comunidade e revoluções
Na reflexão que farei a partir daqui, deixo-me guiar, principalmente, pelo inglês Roger Scruton (1944-2020), um dos mais importantes formadores da opinião de direita atualmente, no seu livro "Conservadorismo: um convite à grande tradição". Scruton registra como fundamentais na formação do pensamento conservador a influência da Revolução Gloriosa (1688-1689), na Inglaterra, da Revolução Francesa (1789-1799), e daquela ocorrida nos Estados Unidos (1776-1783), conhecida como Revolução Americana, variando o registro dessas datas de acordo com diferentes historiadores.
Comecemos pela menção de Scruton a Adam Smith (1723-1790), grande economista escocês cuja importância é difícil exagerar, que afirmou ser a "mão invisível" do mercado capaz de distribuir justamente a riqueza. Roger lembra ressalvas feitas por Smith a essa dinâmica que ocorreria "não sem malefícios" em algumas situações injustas. O inglês lembra ainda que Adam não considerava a famosa "A Riqueza das Nações", na qual fala da "mão invisível", como a sua obra mais importante e, sim, o livro "A teoria dos sentimentos morais", escrito antes.
Segundo o escocês, os seres humanos almejam uma simpatia mútua de sentimentos e assim buscam a aprovação dos outros, que seria o bem social mais importante. Eles se colocariam sempre sob o crivo de um "espectador imparcial" por meio do qual se veriam com o olhar das outras pessoas, e isso resultaria num forte senso de responsabilidade perante a comunidade.
Propriedade privada, justiça social e direitos das mulheres
Falando de direita, não se pode deixar de abordar o tema da propriedade privada, cujo mais importante defensor é o inglês John Locke (1632-1704). Ao citá-lo, Scruton argumenta de forma muito defensável que algo produzido por alguém, a partir do seu trabalho, é de sua propriedade, assim como "os braços que trabalharam". Muito interessante também a visão de Locke valorizando o trabalho e defendendo remuneração justa aos trabalhadores.
Vale lembrar a influência de John Stuart Mill (1806-1876, com alguns registros de falecimento em 1873), que defendeu o comércio livre com justiça social e também os direitos das mulheres. Ele foi o idealizador do utilitarismo, aprimorando reflexão de Jeremy Benthan (1748-1832), filosofia inspiradora do liberalismo na qual deve-se buscar o máximo de felicidade para o maior número possível de pessoas. Mesmo se questionável, a fórmula não deixa de produzir muitos dos benefícios sociais existentes na sociedade capitalista.
Vamos agora a alguns trechos de Scruton que apresentam raízes bastantes plausíveis do conservadorismo. Ele diz que "os seres humanos vivem em comunidades unidos por laços de confiança mútua" e que precisam "de uma casa partilhada, um lugar seguro no qual" possam "pedir ajuda de outros em caso de ameaça". Acrescenta que as pessoas necessitam de paz com os vizinhos e "procedimentos que a assegurem" e ainda "do amor e da proteção da vida familiar".
Pertencimento social e compromisso com gerações passadas e futuras
Assim, o pertencimento social é fundamental na visão conservadora. "Os seres humanos começam a vida ligados à mãe e à família que os abrigam e nutrem". Quando eles crescem, as instituições do mundo no qual se envolvem amplificam as ligações entre as pessoas e criam a sensação de que estão "em casa no mundo, em meio a coisas familiares e confiáveis". É bem claro que esse pensamento visa conservar valores, relações e instituições que, de fato, quando operam coerentemente, produzem um bem social a ser preservado.
Outra bela contribuição conservadora: devemos viver em solidariedade não só com os da nossa geração, mas com nossos antepassados, preservando o que de bom eles construíram; e também com as gerações futuras, para legar a elas um mundo tão bom ou melhor que aquele recebido por nós. Parece-me uma noção que se harmoniza, inclusive, com o respeito às tradições de povos que estão sob ameaça de extinção, e até com uma visão ecológica do mundo.
Iniciaremos o próximo post falando de um dos mais importantes autores a influenciar o pensamento de direita, considerado por muitos como "o pai do conservadorismo", o irlandês Edmund Burke (1729-1797). Até lá!